Para uns Dia das Bruxas, outros Halloween. Afinal, cristão pode comemorar essa data? Trouxemos uma abordagem equilibrada para você; reflita conosco!
Há poucos anos tive um "susto" ao tomar conhecimento de que o Halloween (ou, o Dia das Bruxas, como é conhecido aqui no Brasil) guarda em si elementos cristãos. Isto não quer dizer, obviamente, que ele é uma festa cristã e nem que deva ser celebrado pela Igreja como outras datas importantes (Natal ou Páscoa, por exemplo).
Outro ponto que vai de encontro com o que é comumente dito (sobretudo no contexto evangélico brasileiro) e não totalmente crível, é a ligação do Halloween com o paganismo, satanismo ou bruxaria. E isto porque é difícil de tecer conexões históricas entre o que era feito na Antiguidade ou na Idade Média por povos originários da Europa (como os Celtas, por exemplo), a festa em si e cultos ocultos.
Queremos trazer algumas informações interessantes e, ao mesmo tempo, diferentes para entendermos um pouco sobre o que é o Halloween -sobretudo para alguém que faz parte da cultura originária da festa. O texto a seguir é do escritor, colunista e pastor anglicano Steven Wedgeworth -com adaptações para o nosso site. Ao final dele respondemos, de uma forma equilibrada, à questão: cristão pode comemorar ou participar do Dia das Bruxas / Halloween?
Halloween e paganismo
O argumento mais comum é que o Halloween é literalmente uma continuação de práticas pagãs antigas. Muitas afirmações diferentes foram feitas nesse sentido, mas o problema com isso é que essas associações são na verdade muito amplas e genéricas.
Algumas pessoas combinam o argumento do paganismo com a falácia de que o catolicismo romano medieval também misturava elementos de adoração cristãos e pagãos, e assim qualquer coisa da cristandade na Idade Média também poderia ser chamada de “pagã”. Mas, a verdade é que a Idade Média foi um tempo de florescimento espiritual e teológico muito grande.
O Halloween, no Brasil comumente chamado de Dia das Bruxas, é constantemente associado a antigos festivais de colheita, muitas vezes considerados como pagãos. Essas festas marcavam o início da temporada de inverno em locais antigos do Hemisfério Norte. Suas características principais eram o abate de gado e a construção de fogueiras enquanto o povo armazenava comida para a temporada de frio, onde não há lavoura.
No entanto, ironicamente, essas não são características do Halloween. Na verdade, essa prática era comum no mundo antigo, predominantemente rural e dependente da natureza e seus ciclos para uma boa lavoura.
Deus instituiu a Festa da Colheita entre o povo de Israel no Antigo Testamento (veja Êxodo 23:14-16 e Números 28:26), em que havia a necessidade de celebrar três vezes ao ano e oferecer as primícias da colheita. O Pentecostes, marcado pelo derramamento do Espírito Santo no Novo Testamento, também era uma Festa das Colheitas -uma celebração agrícola de agradecimento pelos primeiros frutos da colheita de trigo e cevada, celebrada cinquenta dias após a Páscoa.
Historicamente, o Halloween era um dia religioso focado nos santos. Aí reside a sua origem cristã (ou a parte na história onde essa festa toca a fé). Ele não estava relacionado ao calendário civil e certamente não estava ligado às colheitas ou aos rebanhos. Na verdade, pelo Calendário Litúrgico, o Advento seria uma data melhor para um festival cristão que se concentrasse em luzes em meio à escuridão, usando a colheita como um símbolo para a atividade espiritual.
Doces ou travessuras e o Dia das Bruxas como o conhecemos hoje
O Halloween como é conhecido hoje é uma adaptação tardia, surgida e promovida principalmente pelos Estados Unidos da América (que influenciou e pautou a cultura pop mundial no último século). No Brasil, a festa com seus enfeites de bruxas, alusões ao terror e a coisas assombradas veio principalmente por escolas de idiomas -que usam elementos culturais dos países onde o inglês é falado para ensinarem a língua.
Quanto ao doces ou travessuras, essa prática não existiu continuamente desde a antiguidade até hoje. Não há registro dela na Inglaterra medieval ou na Europa moderna inicial. Ela se desenvolveu no início do século XX principalmente nos Estados Unidos e em um contexto totalmente secularizado (ou seja, com ausência de qualquer alusão ou significado religioso-cristão). A prática apareceu pela primeira vez na década de 1930 na América do Norte.
Muitos adultos mais velhos que cresceram em países europeus, e especialmente nos não ingleses, atestam que simplesmente não havia nenhum costume parecido com doces ou travessuras quando eram jovens. Ou seja, isto foi exportado da América do Norte para o mundo no último meio século.
A cabeça de abóbora iluminada parece remontar apenas ao século XIX. O nome “Jack” há muito tempo era usado na Inglaterra para se referir a um personagem jovem do tipo “homem comum” (João e o Pé de Feijão, por exemplo). A lenda de Jack O' Lantern foi originada na Irlanda, chegando aos Estados Unidos com os imigrantes da Irlanda, que passaram a usar abóboras em vez dos nabos ou batatas originais por serem mais abundantes e fáceis de esculpir na época da colheita. O Halloween americano tem o nome religioso de Véspera de Todos os Santos.
A partir dos anos 1970, a data ganhou contornos ainda mais nebulosos, com o terror como tema principal na cultura pop, após o lançamento do filme Halloween, de John Carpenter. Após isso, outros lançamentos de terror como Sexta-feira 13 e A Hora do Pesadelo também encheram a imaginação das pessoas. Longas-metragens anteriores, como A Noite dos Mortos-Vivos e O Massacre da Serra Elétrica, também foram revividos, e o feriado do Halloween mudou de um exercício familiar para uma noite em que crianças, adolescentes e jovens adultos poderiam se envolver em um pouco de travessura.
E o cristão, pode comemorar o Halloween?
Mas a questão que está na mente do leitor desde o início do texto, é: o cristão pode comemorar o Halloween (ou, Dia das Bruxas, como é conhecido no Brasil)?. Bom, a posição que se adota comumente nas igrejas brasileiras (sejam evangélicas ou católicas) é que não. E, na IBRAV, concordamos com isso. No entanto, a questão não envolve os argumentos comumente usados.
Primeiramente, como tentamos demonstrar rapidamente até aqui, muito do que se fala e se pensa a respeito do Halloween e suas origens está recheado de equívocos. E afirmar isto não significa concordar com o que é feito por aí, sobretudo em outros países onde a comemoração é mais intensa. Mas, ao mesmo tempo, não se pode afirmar (como muitos irresponsavelmente fazem) que é uma festa dedicada ao demônio, que envolve rituais e etc.
Como você pôde ver, essas várias práticas “pagãs” são na verdade criações pós-cristãs. Os pagãos certamente não falavam sobre Satanás e seu Sabá. O que está acontecendo hoje é que pessoas com heranças cristãs estão olhando para trás, misturando elementos familiares de sua espiritualidade mais recente com histórias “antigas” imaginadas, num esforço para criar uma nova cultura e folclórica romântica para seus dias, onde acusam o Dia das Bruxas (ou Halloween) de coisas que ele não é.
Segundo, como brasileiros, não participamos dessa herança cultural, nem nas origens do Halloween e nem no que hoje é feito. Se há algo que nos toca, é o fato de a festa ter suas origens na celebração do Dia de Todos os Santos. Ou seja, em algum momento histórico houve um contorno cristão que hoje, no mundo secularizado, deixou de existir.
Podemos discordar da decoração, achar de mau gosto os enfeites de caveira, bruxas, mal-assombrados, fantasmas e outras coisas. Mas, isto (essa prática um tanto estranha para nós, brasileiros) não significa acusar essa festa, que é folclórica em outros países, de ser pagã ou um culto ao Diabo.
Ao mesmo tempo, comemorar o Dia das Bruxas não é recomendado, principalmente porque somos brasileiros e o nosso folclore envolve outras personagens, acontece em outra data e não tem nada a ver com Festas de Colheita, coisas mal-assombradas e afins. Não é a nossa cultura e fazer isso se torna uma forma de viralatismo cultural.
E qual a posição da IBRAV em relação ao Haloween (ou Dia das Bruxas)?
Não é condenável, muito menos sob alegação ou argumentos como paganismo ou satanismo. No entanto, é uma festa de origem estrangeira, que não tem nada a ver com a cultura brasileira. Portanto, não faz muito sentido ser celebrado pelos brasileiros.
Outro ponto interessante: 31 de outubro (Dia das Bruxas/Halloween) coincide com o Dia da Reforma Protestante. Para a Igreja Evangélica, faz mais sentido lembrar da data por esse fato histórico.
Texto publicado em lecionario.com pelo pastor e escritor Steven Wedgeworth, da Igreja Anglicana de Cristo de South Bend, e adaptado pelo pr. Ítalo Toni Bianchi. para o site da IBRAV